Se quiser evitar crise, Bolsonaro tem de mediar conflito entre base e o STF

Se quiser evitar crise, Bolsonaro tem de mediar conflito entre base e o STF

Lá por meados de setembro do ano passado, um apoiador graduado de Jair Bolsonaro praguejava contra o Supremo Tribunal Federal, culpando a corte pela balbúrdia institucional do país nos anos recentes. Era um tal de “ministro vendido” para cá, “ministro petista” para lá.

Ele balbuciou uma ideia explosiva: um “impeachment educativo” de ministro do STF, por assim dizer, a partir do momento em que Bolsonaro liderasse a conquista generalizada do Executivo e do Legislativo. O carbonário foi desautorizado por outros interlocutores com assento na campanha, e a conversa parecia transparecer apenas uma dessas mirabolâncias que ecoam as redes sociais bolsonaristas.

O próprio Bolsonaro tem um longo histórico de críticas ao Judiciário, e sua promessa ora esquecida de aumentar a corte de 11 para 21 membros, ao estilo chavista de “diversificar a representatividade”, ainda ressoa. No fim do ano, emergiu o vídeo em que o filho zero-dois de Bolsonaro, o deputado Eduardo, falava em usar um cabo e um soldado para fechar o tribunal. A resposta veio dura, o presidente eleito baixou a bola e, novamente, ficou por isso.

Agora, com a espuma do tsunami espraiada e os efeitos da vaga de direita que atingiu as urnas brasileiras tomando forma em uma legislatura ainda desconjuntada, o cheiro de queimado ressurge. Começou com o vazamento de relatório da Receita contra um dos alvos prioritários das redes bolsonaristas, o ministro Gilmar Mendes. Foi desautorizado pelo governo, mas o sinal de alerta permaneceu ligado.

Depois, a tentativa, justamente no Senado que tem a prerrogativa de conduzir processos de impedimento de ministros do Supremo, de instalação de uma CPI dos Tribunais Superiores —apelidada mui humildemente de “Lava Toga” por seus proponentes. A sirene berrou.

Como no episódio privado de setembro, a pólvora foi manipulada enquanto Bolsonaro estava em um leito de hospital. É evidente que esses jabutis arborícolas, espécie comum no cerrado brasileiro, estão sendo criados sob a inspiração de gente ligada ao entorno bolsonarista. Se têm sua anuência ou crítica, é questão que os togados andam se perguntando.

A materialidade dos espectros que acompanharão o governo a partir do Rio de Janeiro, como a apuração sobre o filho zero-um, Flávio, é uma variável que parece regular esse processo. O laranjal do PSL, além de eventuais freios legais a aspectos de reformas econômicas ou da pauta de costumes e segurança do governo, também estão no cardápio.

Assim, os disparos de advertência ouvidos no STF têm um duplo condão, o de tentar intimidar e o de atrair maior vigor na resposta institucional.

Ninguém duvida que o Judiciário brasileiro assumiu um protagonismo bizarro, com seu órgão máximo servindo de cartório até para briga paroquial de senadores sobre ritos internos de votação. Em outras cortes, como o STJ, sobram acusações de irregularidades e faltam esclarecimentos.

As infindáveis ratificações de benefícios nababescos à própria classe causam espanto de forma periódica. Por fim, a vertiginosa sucessão de decisões provisórias polêmicas. Para 39% dos brasileiros, segundo o Datafolha, o Supremo não é confiável.

Até aqui, o presidente do STF, Dias Toffoli, não piscou. Mantendo boa ligação com os militares que dão o esteio de sensatez à Esplanada de Bolsonaro, ele tem agido com bastante prudência. Mas é 1 em 11, ao fim, e a corte não assistirá passivamente se a barragem de artilharia disparada por hostes bolsonaristas contra si acabar por recrudescer. Caberá a Bolsonaro nortear os próximos passos dessa disputa em potencial.

Fonte: Folha de SP

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