Sem atuação efetiva, frentes parlamentares proliferam no Congresso
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A cena é comum no Congresso. Deputados conversam em uma rodinha no plenário ou no salão verde. Um assessor se aproxima, prancheta, papel e caneta em mãos: “O senhor pode assinar?”.
O deputado, sem baixar os olhos, subscreve a frente parlamentar —que pode tratar desde o combate ao câncer até o “apoio ao potássio brasileiro”, passando pela defesa da Justiça Notarial— e segue o papo.
Se essa prática não foi criada mês passado no Congresso, o enredo tem se repetido com mais frequência em 2019.
É que o número de frentes parlamentares mais do que dobrou nos primeiros meses da 56ª legislatura, em comparação com o mesmo período da anterior. Até o dia 8 de abril, foram oficializados 94 grupos parlamentares no Congresso, contra 42 criados em 2015.
“Banalizaram demais. Sempre vem um pedido para assinar, mas eu não assino, não é possível. Tem umas até caricatas”, reclama Capitão Augusto (PR-SP), presidente da frente da segurança pública.
O alto número tem virado motivo de resmungos entre os parlamentares mais velhos nos corredores do Congresso. Eles reclamam que boa parte das frentes criadas não tem atuação efetiva e dizem que a criação de blocos cada vez mais específicos pode diminuir o poder de pressão em vez de aumentá-lo.
Há hoje no Congresso, por exemplo, duas frentes diferentes em defesa dos animais, ambas criadas em 11 de fevereiro. A presidida por Fred Costa (Patriota-MG) tem 208 membros, enquanto a que traz à frente Ricardo Izar (PP-SP) possui 214 —muitos deputados, aliás, fazem parte das duas bancadas, idênticas até no nome.
Segundo a Câmara, a única prerrogativa formal das frentes registradas é a reserva de um plenário nas alas das comissões para a realização de reuniões. Elas não têm direito a espaços fixos ou verba.
Então, para que servem as frentes parlamentares, que proliferam entre senadores e deputados? Para a doutora em ciência política pela USP (Universidade de São Paulo) Graziella Testa, a alta renovação do Congresso em 2019 e a concentração de poder nos partidos impulsionam a criação desses grupos.
“Tem muito a ver com o papel dos novatos, que estão tentando se inserir no processo Legislativo. A atuação no plenário de um deputado que não faz parte do alto clero, que não é líder, é muito diminuta. E as comissões têm pouca visibilidade, então ele busca outras formas de fazer chegar ao seu eleitor que está trabalhando”, diz a pesquisadora.
Ela explica que, como é preciso um número alto de deputados para formar uma frente —171 no mínimo—, é comum a política de “assina o meu que eu assino o seu”, e boa parte dos membros acaba não sendo ativa em seus grupos.
“Geralmente quem coloca a cara a tapa são os coordenadores, não o resto”, afirma.
Ela aponta uma terceira razão para as frentes: com a falta de regulamentação do lobby, as frentes viram a ponte entre a sociedade civil e o Congresso, já que muitos grupos são criados com apoio de empresas ou entidades.
É o caso da frente da educação, que tem o apoio de grupos como o Movimento Todos pela Educação, a Fundação Lemann e o Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), e da Saúde Preventiva, feita em parceria com a ACT (Aliança de Controle do Tabagismo).
O crescimento no número de frentes, porém, não se reflete em maior aprovação de projetos no Legislativo.
Frentes poderosas, como a ruralista e a evangélica, seguem com sua agenda represada em um Congresso focado em projetos econômicos, como a reforma da Previdência.
Para contornar o bloqueio —causado inclusive pela indisposição do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), de pautar matérias polêmicas antes da reforma—, os grupos têm atuado mais no Executivo de Jair Bolsonaro.
“[No Congresso] a prioridade é a geração de empregos, acho que a nossa pauta de costumes fica em segundo plano. E o Executivo vai propondo e ocupando esse espaço”, diz Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), um dos líderes da bancada evangélica.
O presidente se elegeu com o apoio de três dos mais influentes grupos parlamentares da Casa: além da evangélica, é próximo das bancadas ruralista e da bala. Durante a transição, no final de 2018, as bancadas temáticas tiveram papel fundamental na formação do governo e chegaram a indicar ministros no lugar de partidos políticos.
Na Agricultura, por exemplo, foi colocada Tereza Cristina (DEM-MS), apoiada pelos ruralistas. Na Saúde, foi indicado seu correligionário, Luiz Henrique Mandetta (MS), ex-presidente da Frente Parlamentar Mista da Medicina.
Se não indicou ministro, a frente evangélica barrou nomeações, como a de Mozart Ramos para a pasta da Educação. Além disso, se tornou próxima de Damares Alves (Direitos Humanos), que encampou bandeiras tradicionais da bancada, como a luta contra a chamada “ideologia de gênero” e a defesa da educação domiciliar.
Com essa proximidade, a atuação das frentes tem se deslocado para fora do Congresso. Mandetta, por exemplo, levou para o ministério uma das bandeiras da frente dos médicos, que visa criar uma carreira federal para a profissão, similar à de juízes.
A relação próxima com ministros ajuda a mitigar a frustração dos grupos com a mudança de postura de Bolsonaro. Se antes o presidente se recusava a tratar com partidos, depois de criar repetidos atritos com o Congresso decidiu se voltar para o método tradicional da política e passou a receber dirigentes para negociações de projetos.
“Ele entendeu que as frentes são parceiras no campo ideológico, mas que no campo político é preciso negociar com os partidos”, afirma Sóstenes.
Segundo Testa, a mudança se dá porque os grupos parlamentares são muito difusos e não controlam os votos de seus membros como as siglas, que possuem líderes designados no Congresso e detêm poderes de sanção sobre deputados rebeldes.
Nem todas as frentes com atuação forte, porém, seguem o mesmo caminho em direção ao Executivo. Pelo contrário, a de Educação foi lançada na quarta-feira (10) para se contrapor ao cenário de disputas e paralisia no MEC, que valeu uma troca de ministro em menos de 100 dias de governo.
O financiamento do setor será o tema prioritário para o início do trabalhos. O Fundeb (principal mecanismo de financiamento à educação básica, que vence no próximo ano) tramita no Congresso. O MEC, no entanto, ainda não participa das discussões.
Colaborou Paulo Saldaña
Fonte: Folha de SP